sexta-feira, 26 de abril de 2013

Escritores de sucesso, vidas de desgraça

Tiveram sucesso enquanto escritores, receberam prémios, foram aclamados pela crítica e venderam milhares senão mesmo milhões de exemplares das suas obras. Porém, tiveram vidas difíceis e muitos decidiram pôr termo à própria vida.

Hemingway é um destes exemplos. O seu pai cometeu suicídio, e o escritor levou sempre uma vida turbulenta: casou 4 vezes, foi correspondente durante a Guerra Civil Espanhola, viveu em Cuba, a sua mãe, demasiado autoritária, chegou a enviar-lhe a pistola com que o seu pai se tinha matado. Aos 61 anos, já com um Pulitzer e um Nobel na prateleira e com alguns problemas de saúde entre as quais uma profunda depressão, cometeu suicídio.





Virginia Woolf, a escritora mais depressiva da história literária inglesa, viveu sempre com problemas de foro mental, talvez devido ao abuso sexual por partes dos seus irmãos mais velhos e a vivência de duas Guerras Mundiais, esta é a explicação dos seus biógrafos. Casou e Leonard Woolf, o marido, decidiu que ela não estaria preparada para ser mãe. Talvez isso a tenha afectado e limitado enquanto mulher.  Chegou a estar em isolamento num hospital psiquiátrico. Os seus problemas nunca foram resolvidos completamente e aos 59 anos toma a decisão que a obriga a deixar um bilhete de despedida ao seu marido e irmã. Afogou-se no rio Ouse, com pedras nos bolsos. Foi descoberta semanas mais tarde.

"Querido,
Tenho certeza de estar a ficar louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por  tempos difíceis novamente. E não quero revivê-los. Começo a ouvir vozes e não consigo concentrar-me. Portanto, estou a fazer o que me parece ser o melhor. Deste-me muitas possibilidades de ser feliz. Estiveste presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso lutar mais. Sei que tiro um peso das tuas costas, pois, sem mim, poderás trabalhar. Não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que devo a ti toda a minha felicidade. Fste bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém me pudesse salvar, esse alguém serias tu. O que ficará é a certeza da tua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar a tua vida. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos.V."

Conhece certamente a obra A Piada Infinita, lançada recentemente pela Quetzal, o primeiro livro publicado em Portugal do escritor norte-americano David Foster Wallace. Este escritor foi aclamado pela crítica e tornou-se um escritor de culto já que as suas poucas obras apresentam um estilo hiper-realista e, dizem, é capaz de se auto-reinventar. Muitos leitores acreditam que esta é uma das obras mais marcantes das últimas décadas da literatura norte-americana. Aos 42 anos, Wallace, enforca-se pondo fim a sucessivos episódios depressivos.


Jack Kerouac, conhecido pela sua Estrada ou Big Sur, conheceu os malefícios da droga e do álcool desde cedo. Em Outubro de 1969 morreu devido a uma hemorragia, consequência de uma cirrose. Um dos seus amigos de juventude até garantiu que algumas das suas mais eminentes obras foram escritas sob o efeito de tais substâncias.



O escritor e repórter norte-americano Raymond Chandler também teve um final trágico. Trabalhou como contabilista, alistou-se no Exército e mais tarde foi vice-presidente de uma empresa petrolífera, onde acabou por perder o lugar por problemas de alcoolismo. A partir daí dedicou-se à escrita de policiais mas após a morte da mulher refugiou-se novamente no álcool e acabou por se suicidar.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

"Daqui a Nada" de Rodrigo Guedes de Carvalho


Sempre gostei deste jornalista e das crónicas que ele escreve para a revista, aliás, praticamente só pegava na revista para lê-lo.
Fique a saber que também era escritor quando fui à Feira do Livro da Amadora, quase a fechar, e o encontrei numa banca com livros de bolso.
“Daqui a nada” de 1993. O primeiro que escreveu. Num estilo semelhante a Saramago. Parecia interessante, gostava de lê-lo, comprei.

Não sabia que um dos temas era a guerra colonial. Nunca me chamou para ler sobre “guerras”. No entanto, decidi continuar e foi o meu primeiro livro sobre esse assunto.
Mas, à medida que se lê, verifica-se que o tema central não é a guerra em si mas sim o modo como a guerra muda a vida das pessoas.

O livro é narrado pelo personagem principal após o regresso de África que descobre que a mulher o traiu com um amigo em comum. Foge, não mais a vê ou lhe fala, não vai pedir justificações, nada, e vai contando as suas indecisões, inseguranças, o deixar para mais tarde, “daqui a nada” faço alguma coisa, o comodismo, o medo de enfrentar.

É narrado pela mulher que fala da sua relação com o pai, a gravidez, o nascimento, a ida para a guerra do marido, a espera, a desesperante espera. Dizem-lhe que o marido desapareceu, pensa que morreu. Um dos amigos regressa da guerra, amputado. O desespero era tal, a espera, o tempo que passou. Ela dorme com o amigo, fisicamente é o amigo, em pensamento é o marido, é a representação do marido. Terem estado na guerra, a mesma guerra, fá-los tornar num só. É como se tivesse sido e estado com o marido.

Finalmente, é narrado também pela filha de ambos. Narra o que a avó materna lhe conta do seu nascimento, o crescer sem pai. Contam-lhe que o pai não volta porque a mãe o traiu. Lembra-se do pai em pequena, não mais o vê. Revolta-se pelo facto do pai as ter abandonado só porque a mãe o  traiu. Era apenas sexo. Nada mais. Porque as abandonou? Vê a mãe sempre com a sensação de que está a espera. À espera de alguém. À espera do marido.

O personagem principal imagina como será a filha, onde estará, se já passou por ele e ele não a reconheceu. Gostava de a ver. A filha imagina o mesmo, como era, onde estava, porque não a procura?

Mas tinha medo de as procurar, de voltar ao passado, de enfrentar o passado. Finalmente percebe que o tempo não parou no momento em que foi para a guerra, que a vida tinha continuado. “O tempo apanhou-nos”. Percebe que ama a mulher, que a mulher o ama. Percebe que a mulher sempre esperou por ele. Ele decide.

“Daqui a pouco chego, não ao Porto mas a mim, decidi-me, vou voltar, vou regressar o regresso que há dez anos adio, vou voltar para o que me dói ter abandonado”

Eu gostei muito do livro. Penso que será um livro para ser lido quando se está de bom humor ou se se está deprimido, para dar ainda mais razão à nossa depressão. Eu achei-o muito bom, já que é um livro que demonstra a visão de 3 pessoas sobre uma mesma situação. Que demonstra que o passado, a vivência de cada uma, a experiência de vida, se reflectem no futuro. Demonstra que uma pessoa pode ter uma razão, racional ou irracional, para fazer algo mas a pessoa que está ao lado não compreende ou não “vê” e faz um juízo diferente.

Que o facto de não enfrentar os medos, o passado; que o facto de não agir, atrasar a vida, deixar passar o amor; o “daqui a nada”; deixa-se passar a vida. Não se vive. Aliás, vive-se, mas como se fosse um fantasma e com fantasmas.

“O maior mistério da morte é que só o podemos saber quando já não o podemos saber” .(Vergílio Ferreira)

Daqui a nada, Leya

quinta-feira, 18 de abril de 2013

As Pontes de Madison County de Robert James Waller

Este é o livro ideal para quem gosta de um bom romance que faz derramar lágrimas até à exaustão. Desistam da adaptação ao cinema por Clint Estwood e dediquem-se à leitura integral da obra.
Esta é a típica história que começa com Era uma Vez... O destino juntou Robert Kincaid e Francesca Johnson num local inóspito: Madison County, Iowa. Ele, fotógrafo freelancer, anda à procura das pontes cobertas daquela região para uma reportagem fotográfica. Ela, dona-de-casa, mulher e mãe, mostra-lhe a ponte de que anda à procura.
O marido dela, Richard, foi com os filhos a uma feira para apresentarem o novilho que criaram e Francesca fica assim por conta própria, sem ter que dar justificações a ninguém.
Entre Robert e Francesca surge uma química muito especial, entendem-se sem terem que se expressar muito. Ela fica fascinada por ele e vice-versa. Conversam, passeiam, vivem então esse amor sem limites, entregam-se totalmente sem medos. Passam os quatro dias mais intensos das suas vidas. Mas chega o dia em que a família regressa a casa e Kincaid tem que se afastar. Ele pede-lhe para ir com ele e abandonar a vida que teve até aí. Francesca tem o coração nas mãos e sente-se dividida: por um lado tem responsabilidades perante os dois filhos e o marido, por outro lado, quer viver o seu grande amor. Kincaid é um espírito livre, viaja por causa do trabalho e nada o prende a um local. Francesca renuncia a esse amor e opta pela família mas sabe que nunca na vida terá oportunidade de viver no limite como o fez com Kincaid.
Ele, por seu lado, segue a sua vida, fotografando para viver e nunca mais se interessará por outra mulher. Será um erro não arriscarem?
O desfecho, esse, fica nas páginas do livro.
Talvez pareça uma narrativa lenta por terem apenas dois personagens centrais, no entanto, a história envolve o leitor e ficamos com a sensação de querer mais, de querer dar mais oportunidades ao tempo em que estão juntos, queremos mais pormenores. Queremos esticar as 144 páginas do livro. Para isso, teremos que nos debruçar na continuação da história: "Regresso a Madison County".
Esta é sem dúvida a história de amor mais honesta e poderosa que li. 

"Só tenho uma coisa a dizer, penas uma; nunca voltarei a dizê-la a ninguém, e peço-te que te lembres dela: num universo de ambiguidades, este tipo de certezas só existe uma vez, e nunca mais, não importa quantas vidas se vivam"

As Pontes de Madison County, Asa

domingo, 14 de abril de 2013

O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo de Haruki Murakami

Todo um grande capítulo sobre uma viagem de elevador. É assim que começa "O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo" de Haruki Murakami. Um
livro publicado em 1985 e que ganhou, nesse mesmo ano, o Prémio Tanizaki,
um  importante prémio literário japonês.
Em Portugal, só em Março deste ano é que a obra viu a luz do dia mas o que interessa é a história. Já expliquei como começa e a forma como se desenrola é em tudo semelhante ao 1Q84: alterna os capítulos com o desenrolar de duas histórias diferentes.
Curioso é o facto de lermos toda a obra sem o autor nos dizer os nomes dos personagens, refere-se sempre a eles com substantivos.
O livro descreve literalmente dois mundos: o país das maravilhas, ou o mundo real e o Fim do mundo, o mundo mental do personagem.
Aqui, Murakami fala do coração, da alma e de sentimentos como nunca antes tinha falado. Fala de unicórnios, tece teorias sobre o conforto de um sofá, destrói por completo um apartamento, coloca uma adolescente anafada e um velhote a percorrer o submundo. Fala de sanguessugas, de Invisíveis, de Semióticos e do Sistema. Fala de Turguéniev, de Police , de Bob Dylan e de reggae. Murakami fala de tudo.
No Fim do Mundo, o personagem é separado da sua sombra e vai perdendo a sua própria memória. Encontra-se encerrado numa Cidade limitada por Muralhas, apaixona-se e luta para sair daquela prisão a céu aberto. Luta até perceber que consegue ler o coração da rapariga por quem se apaixonou.
No País das Maravilhas, o personagem colabora com um génio idoso mas vê-se de repente ligado a uma estranha experiência cerebral e aí surge a maior fuga de todo o livro. Percebe que vai deixar o mundo tal como o conhece e nada pode fazer para fugir desse destino. Terá que o aceitar.
Murakami é criador de universos como nunca outro escritor fez e, quero crer, alguma vez alguém fará.O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo é, no seu todo, um universo. Um universo fictício que marcará certamente o leitor.
O Impiedoso País das Maravilhas é um livro estranho mas que, conhecendo já a obra do autor, não espanta. Consome-se avidamente e fica-se com a sensação de querer mais. Mais da mente deste japonês que já deveria ter ganho um Nobel há muito...
 
 
O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo, Casa das Letras
 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A Cabana do Pai Tomás de Harriet Beecher Stowe

Quando escreveu "A Cabana do Pai Tomás", Harriet Beecher Stowe tencionava abalar a consciência norte-americana em relação à escravatura. Foi publicado sob a forma de folhetim no jornal The National Era entre 1951 e 1952 e, por fim, como já se tratava de uma obra extensa foi publicado na íntegra em 1852. É, ainda hoje, uma referência mundial que serviu de impulso para a política abolicionista da escravatura e do comércio de escravos daquele país.
 
A acção passa-se uns nove anos antes da Guerra da Secessão na América do Norte, e centra-se no Pai Tomás, um escravo que é vendido pelo seu dono para poder pagar algumas dívidas. Tomás vê a sua família ser desmembrada e afastada. Claro que vamos amar certos personagens e odiar outros. Uma história que vos levará às lágrimas se forem sensíveis ao  seu realismo cru.
Enfim, uma história muito cruel e dramática que deveria ser obrigatória nas escolas.
 
"Não sabes que um escravo não pode casar? Não há leis neste país para isso. Eu não posso reclamar-te como minha mulher se ele decidir separar-nos. É por isso que eu gostava de não te ter conhecido."
 
A Cabana do Pai Tomás, Europa-América