Sempre gostei deste jornalista e das crónicas que ele escreve
para a revista, aliás, praticamente só pegava na revista para lê-lo.
Fique a saber que também era escritor quando fui à Feira do
Livro da Amadora, quase a fechar, e o encontrei numa banca com livros de bolso.
“Daqui a nada” de 1993. O primeiro que escreveu. Num estilo
semelhante a Saramago. Parecia interessante, gostava de lê-lo, comprei.
Não sabia que um dos temas era a guerra colonial. Nunca me chamou para ler sobre “guerras”. No entanto, decidi
continuar e foi o meu primeiro livro sobre esse assunto.
Mas, à medida que se lê, verifica-se que o tema central não
é a guerra em si mas sim o modo como a guerra muda a vida das pessoas.
O livro é narrado pelo personagem principal após o regresso
de África que descobre que a mulher o traiu com um amigo em comum. Foge, não mais
a vê ou lhe fala, não vai pedir justificações, nada, e vai contando as suas indecisões,
inseguranças, o deixar para mais tarde, “daqui a nada” faço alguma coisa, o
comodismo, o medo de enfrentar.
É narrado pela mulher que fala da sua relação com o pai, a
gravidez, o nascimento, a ida para a guerra do marido, a espera, a desesperante
espera. Dizem-lhe que o marido desapareceu, pensa que morreu. Um dos amigos
regressa da guerra, amputado. O desespero era tal, a espera, o tempo que
passou. Ela dorme com o amigo, fisicamente é o amigo, em pensamento é o marido,
é a representação do marido. Terem estado na guerra, a mesma guerra, fá-los
tornar num só. É como se tivesse sido e estado com o marido.
Finalmente, é narrado também pela filha de ambos. Narra o
que a avó materna lhe conta do seu nascimento, o crescer sem pai. Contam-lhe
que o pai não volta porque a mãe o traiu. Lembra-se do pai em pequena, não mais
o vê. Revolta-se pelo facto do pai as ter abandonado só porque a mãe o traiu. Era apenas sexo. Nada mais. Porque as
abandonou? Vê a mãe sempre com a sensação de que está a espera. À espera de
alguém. À espera do marido.
O personagem principal imagina como será a filha, onde
estará, se já passou por ele e ele não a reconheceu. Gostava de a ver. A filha
imagina o mesmo, como era, onde estava, porque não a procura?
Mas tinha medo de as procurar, de voltar ao passado, de
enfrentar o passado. Finalmente percebe que o tempo não parou no momento em que
foi para a guerra, que a vida tinha continuado. “O tempo apanhou-nos”. Percebe
que ama a mulher, que a mulher o ama. Percebe que a mulher sempre esperou por
ele. Ele decide.
“Daqui a pouco chego, não ao Porto mas a mim, decidi-me, vou
voltar, vou regressar o regresso que há dez anos adio, vou voltar para o que me
dói ter abandonado”
Eu gostei muito do livro. Penso que será um livro para ser
lido quando se está de bom humor ou se se está deprimido, para dar ainda mais
razão à nossa depressão. Eu achei-o muito bom, já que é um livro que demonstra
a visão de 3 pessoas sobre uma mesma situação. Que demonstra que o passado, a
vivência de cada uma, a experiência de vida, se reflectem no futuro. Demonstra
que uma pessoa pode ter uma razão, racional ou irracional, para fazer algo mas
a pessoa que está ao lado não compreende ou não “vê” e faz um juízo diferente.
Que o facto de não enfrentar os medos, o passado; que o
facto de não agir, atrasar a vida, deixar passar o amor; o “daqui a nada”; deixa-se
passar a vida. Não se vive. Aliás, vive-se, mas como se fosse um fantasma e com
fantasmas.
“O maior mistério da morte é que só o podemos saber quando
já não o podemos saber” .(Vergílio Ferreira)
Daqui a nada, Leya